O coração da agulha

Sempre as mulheres teceram,
porque sonham devagar e lento é o ritmo
com que cosem a tristeza com as cores da alegria.
Elas que não escolhem, mas são escolhidas,
não chegam a partir, são arrastadas para longe
onde fazem ninho para regressarem às cores da infância.
Mas cada sonho é tecido com os fios da montanha à vista,
ou a planície que calcorreiam com os passos.
A cada tapete a sua parte de sonho e de realidade,
como irmãs nascidas do sangue dos animais e do vermelho
dos cravos, do fulgor dos cavalos, da agilidade das gazelas,
como se pudessem voar nas asas das pombas para reencontrar
as estrelas perdidas ou nunca achadas. Já não são velhas mulheres
cosendo, mas jovens esposas montadas nos sonhos
que repartem com as outras. É assim que as cores se multiplicam
nos seus ventres cheios e voam os tapetes de filha em filha
e cada uma parte e fica com uma agulha na mão
e o coração insaciável.