Clarabóias de verão

Depois de brincar no teu jardim
subia as escadas e esgueirava-me para o sótão.
A porta abria e eu ficava na soleira
a ver o vento nos moinhos
e a luz desatinando as velas.
Depois avançava através dos lençóis estendidos
com a espada do pau de uma cadeira.
O doce fru-fru do vento ondulava
nos lençóis e figuras de sol projectavam no ecrã
guerras secretas que logo as empregadas delatavam.
Um castigo de criança era a vil vergonha
para tão gloriosos feitos. Deitada na cama antes
da hora escutava ainda a melodia chegando
pelas clarabóias de verão entre as velharias
cheias de promessas. Sonhava com as montanhas
brancas lá no sótão, com os lugares sagrados
que atravessamos para crescer aceitando
a punição do inimigo que tanto nos ama.

In Da Alma e dos Espíritos Animais (2001)