Uma Ilha à Tona Das Palavras
Puesia
Da primeira vez encontrei um homem a coser a rede.
Saudou-me com palavras que eu conhecia,
mas eram tão estranhas ao peixe como àquele mar.
O homem trocava contigo umas quantas palavras
numa língua de verão
e eu sentia que cada coisa tinha encontrado abrigo,
que a alma dos sons se entrelaçava aos fios luzentes
da rede e o mar acolhia a espuma das ondas
com os olhos felizes de palavras.
Subimos à montanha, nesse dia. As cabras
estavam de regresso e o dono convidou-nos a entrar.
Tinha ao lume o café e a acompanhar as palavras
fazia gestos na língua dos peixes e das cabras.
Era só a essa língua dos gestos que elas regressavam
e a que davam leite sem serem ordenhadas.
Era uma língua fresca
como o café acabado de fazer. Esvoaçava
entre as chávenas fumegantes e as rugas do homem
dissipavam-se na alegria das palavras
em botão de flor e tão antigamente partilhadas.
Se o tempo se mede foram muitos anos.
Hoje saúdam-me e falam-se na língua que os veste
e lhes dá pão. As crianças aprendem a polir os gestos
das palavras como o mar vai rolando os seixos.
A língua é uma praia com areia fina
sempre regada pelo mar.
A rede está por coser e as cabras não dão todo o leite
que as espera. O homem da montanha e o do mar
têm a porta emperrada do frio e do ar salgado.
Riem menos do que podiam rir. Demasiados incêndios
e naufrágios. Mas arregaçam as mangas e atiram-se
ao trabalho: uma língua não é uma ilha naufragada
à mercê do continente que a atira à água.