An(á)fora

As coisas vêm do futuro para se perderem
na sombra.
No breve momento de que são feitas
podem ser invocadas
«estas», «as coisas», «aqui»
mas a nossa voz pertence sempre ao passado

Eis porque toda a coisa
espera de nós uma crença total no tempo,
uma continuidade trémula que permita dizer as horas
a quem passa
como se estivéssemos a ocultar a ignorância
que de si mesma fala no poema
acreditando que é possível regressar
antes das coisas que gastámos sem sequer as ver

O tempo vacila como se existisse
e em nós deixa a verdade de uns olhos doridos.

A Mão feliz (1994)